Jonattan Rodriguez Castelli

O umbigo


Jonattan Rodriguez Castelli

Dois centauros cruzam os campos desérticos do pampa. Somente a luz da lua desafia as trevas da noite. Uma fina camada de chuva começa a encharcar as roupas do homem e da mulher que tentam chegar à cidade. Ela está grávida, entrando em trabalho de parto. O homem olha para o rosto de sua mulher, que geme e se contorce de dor, e reza para conseguirem alcançar a seu destino; embora, em seu íntimo, saiba que em breve ele terá que agir.
A mulher grita. Um líquido espesso escorre por entre suas pernas. Eles seguem sua cavalgada por mais um quilômetro, até as contrações serem tão fortes que a mulher sente sua vida se esvair.
Ela dá um grito agudo, primitivo, que nasce no seu estômago, atravessa sua garganta e ecoa pela noite densa.
A adrenalina corre pelas veias do homem que se enche de coragem para fazer o que tinha que ser feito. Ele a desce de sua montaria, estende na grama o pelego que ia embaixo da sela e improvisa uma cama. A mulher se deita. O homem abre as pernas dela e se desespera. “Você consegue aguentar até o hospital?”, ela balança a cabeça negativamente. O homem pega uma tesoura para tosquio, joga um pouco de canha nela, para esterilizá-la, toma um trago da bebida e começa o trabalho. “Vai dar certo, deve ser como o nascimento de um cordeirinho”, pensa.
O sangue jorra. A mulher grita mais alto. O homem treme. Ele vê o topo de uma cabeça. Um nariz. Uma boca. Ombros. Braços. Pernas. A criança sai completamente. O cordão umbilical, no entanto, está enrolado em torno do minúsculo pescoço. O diminuto corpo arroxeado. A pobre criança mal nascera e já lutava para viver. O pai desenrola o cordão do pescoço de sua filha. Porém, a criança não respira.
Ele dá tapinhas nas costas da recém-nascida, sem efeito. A mãe treme e chora, paralisada pelo destino que tão cruelmente se desenha para sua filha. O homem abre a pequenina boca arroxeada de sua filha e encosta seus lábios aos dela. Ele sopra todo ar que havia em seus pulmões para dentro da menina. E nada. Desesperado ele faz o movimento mais uma vez. E enche o corpinho com vida. A menina, enfim, chora.
O homem usa sua tesoura para cortar o cordão umbilical. Ele alcança o bebê à mãe. Ela olha para a pequenina menina e sorri. Eles eram pais. A criança é chamada de Alexandra.
Anos depois, toda vez que a família se reúne, o pai pede que a filha mostre a barriga para os parentes e diz orgulhoso “tão vendo esse umbigo redondinho? Fui eu que fez. Com estas mãos e minha tesoura de tosquio”.

*
Aos quarenta e cinco anos, Alexandra vive na capital e não está conformada com o próprio corpo. Sente-se gorda. E nenhuma dieta ou exercício que faça lhe deixa com o corpo perfeito e photoshapado das magérrimas modelos e atrizes que estampam as capas de revista. Deseja ter para si o padrão de beleza imposto pelas grifes da moda: onde os corpos das mulheres devem se adaptar às roupas, ao invés do contrário. Uma amiga lhe sugere que procure um cirurgião plástico.
Alexandra visita uma clínica estética no centro da cidade e averigua os preços e a forma que o procedimento será feito. O médico cirurgião lhe explica que farão uma pequena incisão e inserirão um cano por baixo de seu umbigo que sugará toda gordura e sangue que encontrar.
- E o que vai acontecer com meu umbigo?
- Ora, ele será reconstituído, ficará melhor do que agora.
- Então, vocês vão destruir ele?
- Destruir é uma palavra forte. Mas bem, de certa forma, sim. É por aí que faremos a incisão. Será algo pequeno, ninguém vai notar.
Alexandra levanta a camisa e olha seu umbigo. Lembra-se do orgulho de seu pai ao contar a história de seu parto e de como ele fizera aquele umbigo perfeito, com suas próprias mãos.
- Sabe, doutor, vou ter que pensar no assunto.
Ela volta para casa, decidida, “não posso fazer isso, esse umbigo foi presente do meu pai”.

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Jonattan Rodriguez Castelli

E-mail: castellijonattan@gmail.com

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